segunda-feira, 11 de julho de 2016

Nem isso

Lembro-me de mim
Como se fosse hoje
A menina certamente se chamava Sandra ou Sônia 
Entre o seu olhar e o meu
Uma cabeça de velha
De onde eu estava, avistava o cabelo grosso feito o nylon das bonecas plásticas (todas essas cujo corpo se vende, penduradas nas vendas junto a salames, réstias de alho e cias de couro)
Um trecho de braço
Coberto num grosso casaco
Unhas sofríveis num esmalte escuro falhado
E a mão agarrada a um terço
Teria fornicado alguma vez
Pelo número de filhos, ao menos seis 
Sandra, de frente pra velha
Via os olhos azuis vibrantes
O nariz recurvo
Estranha e esculhambada sensualidade
E a boca incontrolável citando longos trechos de apócrifos
E a frouxa dentadura subindo e descendo conforme as palavras fragatas se agitavam no mar eslástico da língua
Adamastor e o Velho do Restelho numa única e incômoda forma
Impediam o imã dos meus olhos atrair os de Sônia
Só por alguns momentos segundos
O céu escuro se abria e eu via 
A claridade de um rosto
"Amo-te tanto meu amor não cante, não finja, não represente"
E apesar da situação política dessa ilha e dos demais continentes
Penso em Sandra e somente em Sônia
Dez mil morriam à minha direita e à minha esquerda anjos desmaiavam em fronts de guerra 
Meus olhos perseguiam a beleza de Sandra por trás do volume de feiúra que era a forma difusa e sensual da bruxa
Talvez ela nem existisse
Talvez fosse mesmo o tempo que se avoluma inundando tudo, cobrindo, fechando
Logo mais teríamos notícias dos últimos acontecimentos
Os deuses exigem tanto e por isso decidi aquele mesmo dia, além de me amarrar ao mastro
Também crobriria de cera os ouvidos
As sereias e suas bocas pequenas abriam e fechavam
Ainda hoje não escuto nada e tudo é líquido e estrondoso 
Todos os caminhos levam ao corpo


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